Pular para o conteúdo principal

Reflexões sobre obras e seus protagonistas

 24 de Setembro de 1991, pouco mais de 30 anos atrás era lançado o Nevermind, um dos álbuns mais influentes da história da música, Nevermind foi o responsável por colocar de vez o grunge no cenário musical e enterrar as bandas de hard rock, A obra prima de Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl catapultou a banda ao estrelato e também trouxe holofotes para ótimas bandas do estilo, como o Pearl Jam e o Soundgarden.

No meio das doze faixas perfeitas do disco temos In Bloom, a segunda faixa do disco e o quarto single, com um  videoclipe marcante em que a banda recria a marcante apresentação dos Beatles no Ed Sullivan Show. O especial de In Bloom é a sua mensagem, que fala justamente sobre pessoas que não captam as mensagens das obras ("he's the one, who likes all our pretty songs, and he likes to sing along, and he likes to shoot his gun, but he knows not what it means")  


E bom, é sobre isso que quero falar hoje, sobre o cara que gosta de todas as musicas bonitinhas, mas que não entende a mensagem por traz delas, sobre o cara que idolatra Tyler Durden, Tony Soprano e Capitão Nascimento, sobre a separação entre a obra e seu personagem principal.

Este texto obviamente vai ter alguns spoilers de algumas obras, mas tentarei não estragar a experiência de ninguém, avisarei quando for falar algo mais comprometedor de um filme ou série.

Essa tema voltou a mim enquanto estava vendo The Sopranos, a série é maravilhosa e aborda de forma humanizada um ser humano horrível, a série mostra com maestria os problemas de Tony Soprano, um mafioso sem escrúpulos que começa a sofrer com problemas mentais e se vê obrigado a ter um acompanhamento psicológico, em Sopranos se vê o homem por trás do monstro, as angústias de um assassino e você em alguns momentos sente até empatia pelo Tony.

O mesmo problema se dá com Clube da Luta (e aqui entra um alerta de spoiler gigantesco, se você não viu Clube da Luta recomendo que pule esta parte do texto). Ao ver Clube da Luta, você se identifica com a mensagem extremamente atual do filme, apesar do filme já ter mais de 20 anos, os problemas relatados são cada vez mais atuais, a depressão relacionada aos problemas do capitalismo é uma coisa facilmente identificável, o filme todo gira em torno de uma vida sem sentido além do consumismo, e o Tyler Durden aparece com o a pessoa que vai dar sentido a essa vida. O grande porém é que o Tyler é uma pessoa horrível, incapaz de sentir empatia que começa a liderar uma organização que aos poucos se transforma em uma seita com muitos elementos fascistas, com todo o discurso de que os fins justificam os meios. A mensagem do filme é que: você não quer ser o Tyler Durden, o próprio protagonista surta ao descobrir que ele é o Tyler Durden (num dos melhores plot twists do cinema e que eu queria esquecer só pra ver de novo como se fosse a primeira vez). O filme literalmente termina com o protagonista dando um tiro em si mesmo para se livrar do Tyler Durden e mesmo assim essa figura é idolatrada por alguns fãs do filme.

Tropa de Elite é mais um desses casos, desta vez com fortes influências na sociedade brasileira atual (aqui novamente farei um alerta, não acho que o que eu va falar realmente estrague a experiência de alguém, mas fica o alerta de que terão alguns spoilers). Capitão Nascimento virou um ícone da cultura brasileira e pelos motivos errados, o Capitão Nascimento (ao menos no primeiro filme) é um psicopata, torturador e assassino que veste a farda do BOPE, o personagem de Wagner Moura virou um símbolo de idolatria a um pensamento contrário a mensagem do filme. Ouso dizer que muito do pensamento do "bandido bom é bandido morto" foi influenciado pelas cenas de Tropa de Elite, neste caso o tiro saiu pela culatra em proporções monumentais.

Filmes e séries em geral que subvertem os papeis tradicionais e transformam vilões em protagonistas são até recorrentes, e trazer a humanização destas pessoas horríveis é um artificio que muitas vezes produz obras sensacionais, mas é preciso ter ciência de que estas pessoas, apesar de humanizadas, apesar de terem cenas que você se identifique, elas ainda são pessoas horríveis. Ter problemas familiares não justifica ser um assassino, estar depressivo não justifica ser um arauto do caos.

Obvio, não sou ninguém para dizer o que cada um deve tirar de cada obra, e sou uma pessoa adepta de que a verdadeira mensagem de uma obra é a interpretação pessoal de cada um, um exemplo que quase entrou nesse texto é o de Don Draper, mas decidi deixa-lo de fora, embora seja mais um caso de um personagem visto como modelo por motivos errados, Draper não é um criminoso e seus atos são bem mais inofensivos do que os vistos aqui. Don Draper é um humano com falhas e atitudes problemáticas, mas no fim é mais um publicitário, enquanto Tony Soprano é uma pessoa que mata e tortura sem titubear.

Eu amo quando os papeis são subvertidos, e amo quando os personagens de uma obra são falhos, cometem erros e são humanos, o ser humano perfeito não tem graça e o herói que salva o mundo no final é uma história que já foi contada a exaustão. Já a história da pessoa por trás de atos criminosos é algo que eu acho bem mais interessante, obras de true crime são cativantes, ficção que traz os humanos responsáveis por monstruosidades são uma historia que me chama mais a atenção. O filme do Coringa é um filme que me prende muito mais do que todos os filmes do Marvel, mas assim como vem crescendo bastante a discussão sobre separar autor e obra, é preciso também separar o protagonista da obra.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Command and Conquer Remastered: um clássico dos RTS

 Eu amo jogos de estratégia, passei muito mais tempo do que me orgulho jogando Warcraft e seus derivados, volta e meia crio saves em Crusader Kings ou Europa Universalis, amo Age of Empires e durante muito tempo carregava uma cópia de Advance Wars para onde ia. Meu amor por RTS é tão antigo que tenho em meu computador um save de Warcraft III que terá idade suficiente para votar nas eleições de 2024. E uma das séries mais marcantes e relevantes no nicho de RTS é a série Command and Conquer, que marcou época nos anos 90/2000 até ser brutalmente assassinada pela Eletronic Arts (com requintes de crueldade visto a qualidade dos últimos jogos), mas que tem um respiro com a Remastered Collection, que disponibilizou os dois primeiros jogos da série em uma versão remasterizada, com melhorias gráficas e de qualidade de vida, além de uma versão que roda melhor em computadores mais modernos e versões em HD das famosas cenas de FMV. Este texto tratará apenas do primeiro destes dois jogos: Command a

Solitairica: a evolução do paciência

 Jogos de cartas sempre foram algo que eu curto, desde muito pequeno me reunia com a galera nos recreios pra jogar Super Trunfo, tenho até hoje uma coleção de cartas da Copa do Mundo de 2010, quando adolescente sempre que me reunia na casa de uns amigos nós nos juntávamos e jogávamos algum jogo com baralho, e já matei muita aula jogando poker, copo d'agua e... Paciência. Jogos digitais de carta também tem um espaço na minha vida, tive durante um tempo considerável na minha infância um PC com Windows XP e uma internet de 256kbps, o que limitava meu tempo no PC a: conversar com os amiguinhos de escola no MSN, brincar com Buddy Poke e outras coisas do Orkut e os jogos nativos do PC, como Pinball e... Paciência. Depois de uns anos a internet foi melhorando, o PC também e eu comecei a jogar mais, incluindo Hearthstone, jogo de carta da Blizzard que eu já investi um tempo considerável da minha vida. Algum tempo atrás, eu vi alguém no twitter recomendando Solitairica, mas não dei muita bo

Half-Life 2 é tudo que se espera de uma sequência de um jogo genial

 Half-Life é um jogo maravilhoso, realmente inovador para sua época, mas que em alguns momentos envelheceu mal, isso porém não pode ser dito sobre sua sequência. Half-Life 2 envelheceu maravilhosamente bem. É incrível o que foi feito neste jogo em 2004 (que foi um ano maravilhoso para os videogames). Half-Life 2 é um jogo que parece lançado dez anos a frente do seu tempo. O jogo se passa alguns 20 anos após os acontecimentos na Black Mesa, que são relatados, tanto no jogo original quanto em Opposing Force e em Blue Shift. Gordon Freeman volta ao papel de protagonista, enquanto Barney Calhoun aparece como um personagem não jogável, assim como vários outros personagens novos introduzidos neste jogo. Os personagens não jogáveis desta vez tem muito mais carisma e são muito mais interessantes, com o grande destaque sendo a Alyx. Os avanços tecnológicos são claramente sentidos nestes 4 anos que separam o primeiro Half-Life e Half-Life 2, a engine Source permite que os personagens sejam muito