Antes de entrar nessa história, é necessário contar um pouco do que a envolve, minha família é muito católica, e por conta disso fiz parte da Pastoral de Coroinhas dos meus 10 aos meus 17 anos, inclusive fiz parte da coordenação da pastoral com 13 anos. Além de todas as atividades normais, também era organizado um retiro anual, no final de semana mais próximo do dia 15 de agosto, dia de São Tarcísio, padroeiro dos coroinhas.
O primeiro retiro que fiz parte da equipe, eu estava responsável por cuidar de um grupo de crianças e também ajuda-las a cumprir as atividades, neste retiro correu tudo bem, apesar de certos contratempos (uma morte e um acidente de transito, não correlacionados). Depois deste retiro bem sucedido, ocorreu uma debandada dos membros mais velhos da coordenação, com três deles indo para o seminário e um saindo da pastoral, causando uma situação em que, os responsáveis por organizar o próximo retiro seriam: meu melhor amigo, coordenador, na época com 15 anos, e eu, vice coordenador, na época com 14, o que poderia dar errado, não é mesmo?
Obviamente nós tínhamos apoio de alguns adultos, mas toda a dinâmica do retiro era feita por nós, escolher o local, formar uma equipe, montar as palestras e dinâmicas e etc.
Começando pela escolha do local, acabamos escolhendo uma creche, mantida por freis, era uma casa de dois andares, com um refeitório, uma cozinha, uma capela própria pra realizações de missas, além de algumas salas que usamos como dormitório da equipe, no segundo andar tinha uns quartos, que os grupos de crianças e seus responsáveis dormiam, e guardavam suas roupas, além da casa, tinha também uma quadra e um campo de futebol, e um espaço grande vazio. O lugar parecia perfeito se não fosse uma pequena questão, sua localização, ele era localizado num dos lugares mais barra pesada da cidade, mas achamos que valeria a pena, e os responsáveis do lugar nos asseguraram que lá era tranquilo, apesar da localização.
As preparações para o retiro correram até de forma tranquila, até o dia anterior ao que ele começaria, quando a equipe foi ao local para preparar o local, ao chegarmos, foi recomendado que não fossemos ao campo de futebol (ele ficava um pouco afastado). Aparentemente o campo também era usado por traficantes da região.
Depois disso, tudo estava correndo até que bem, o retiro começou, o primeiro dia foi tranquilo, correu tudo como planejado, tudo começa a dar errado no segundo dia, começando pelo despertador do dormitório da equipe de coordenação que não toca, acordamos todos atrasados, com as crianças já acordadas e a programação atrasada, um pequeno contratempo, também rolou uma certa confusão com uma das brincadeiras programadas (que nos deixou com uma quantidade absurda de papeis impressos com instruções da brincadeira).
Mas o mais grave viria depois, primeiro com um dos palestrantes (e meu amigo até hoje) falando pra mim que não tinha absolutamente nada preparado para sua palestra (aproximadamente uma hora antes do horário que a palestra estava marcada). Vou com ele preparar essa palestra, repassando o que deveria ser falado, quando volto pra parte onde estavam ocorrendo o retiro, os adultos que estavam nos ajudando vem com a noticia: meu amigo, o coordenador e principal responsável pelo retiro SAIU NO SOCO com outro membro da equipe, na frente de todas aquelas crianças, enquanto o palestrante dava a palestra eu fui me inteirar da situação, e tivemos que fazer uma reunião de emergência no meio do caos, em que resolvemos as desavenças (de forma pontual) e seguimos com o retiro.
A próxima atividade é uma daquelas que eu olho e penso como as pessoas simplesmente deixaram isso acontecer: era uma caça ao tesouro, até ai tudo bem, só que tinha um certo grau de dificuldade: nós apagamos todas as luzes do lugar, ligamos uma caixa de som com canto gregoriano e a equipe ficou a espreita pra assustar as crianças em qualquer oportunidade possível. Nada como uma brincadeira saudável não é mesmo?
O objetivo final da brincadeira era com que eles chegassem numa festa que estava montada pra eles, porém, depois de uma hora e zero pessoas chegando no lugar certo, além de uma visita de traficantes a sede do sitio para saber o que estava rolando ali (explicaram que era coisa da igreja e eles prometeram que não iriam deixar ninguém atrapalhar), nós decidimos simplesmente encerrar a brincadeira e levar eles de vez pra festa, também ficamos um certo tempo naquela noite procurando um óculos de um dos participantes que desapareceu no meio do susto.
A partir dali, o retiro ocorreu de forma tranquila, não ocorreu mas nada de incomum e tudo correu bem na medida do possível, até hoje eu fico impressionado como que as coisas até que deram certo, visto que poderia dar muito mais errado do que realmente ocorreu
Apesar de eu ter continuado por mais 2 anos e meio na coordenação, inclusive assumindo a coordenação geral por um tempo, eu nunca mais trabalhei em nenhum retiro, já que o padre ao perceber o que poderia dar de errado em deixar adolescentes responsáveis por crianças por um final de semana, resolveu mudar o esquema e deixar na mão de adultos.
PS: Outro fator curioso ocorreu na volta do retiro, mas preciso contextualizar a organização social do lugar onde moro: Aqui foi uma área industrial durante boa parte dos séculos XIX e XX, com duas principais fabricas de tecido, uma localizada a 2 km da outra, essas duas fabricas investiam muito na comunidade em volta, como uma forma de manter o controle sobre seus funcionários, eles patrocinavam blocos carnavalescos, traziam shows de famosos a região e o principal pra essa história: patrocinavam times de futebol amador da região, o que gerou uma situação em que apesar da proximidade, existia uma certa rivalidade entre os funcionários das duas fabricas, os "de baixo", da Fabrica Esther, e os "de cima" da Fabrica Unidas, essas fabricas hoje não existem mais, porém a rivalidade continua, principalmente entre os times de futebol que eram patrocinados por estas fábricas e ai que volto para a história do retiro, no dia da volta, ocorreu uma partida entre os dois clubes pelo campeonato amador da região, e tínhamos torcedores e membros das duas torcidas organizadas dos dois clubes na equipe. Eu diria que é uma experiência singular voltar de um retiro de igreja em um ônibus com pessoas entoando cantos de torcida organizadas rivais e buscando manter os ânimos calmos pra evitar que saíssem as vias de fato.
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